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Anderson Zanchin

Autor: Anderson Zanchin

Bel Gurgel: De Jundiaí Para O Mundo

22/1/2013 - Jundiaí - SP

      Bel Gurgel: a mulher que bate um bolão com a cultura
A produtora cultural e publicitária Bel Gurgel, revela seus projetos para os próximos anos
 e  acredita numa mudança nas políticas culturais da cidade com a nova administração.


          

 

    Curadora da exposição “Ouro Preto 300 anos – a cidade construída pela arte”, a produtora cultural independente e publicitária de formação Bel Gurgel, atuou como assessora de comunicação da Fundação de Arte de Ouro Preto, entidade pública vinculada à Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais.  Foi diretora de projetos no Estado de Minas Gerais - Associação para o Desenvolvimento da Arte e da Cultura, criando e dando suporte a exposições, lançamentos e projetos especiais.


Acreditem ou não, Ouro Preto já teve uma população maior que a de Nova York,foi a capital de Minas Gerais e era chamada de Vila Rica. Sem dúvida nenhuma o tricentenário da cidade tem história pra mostrar ao mundo nestes 300 anos como patrimônio histórico do Brasil.


A exposição “Ouro Preto 300 anos – a cidade construída pela arte”, esta sendo desenvolvida pelas mãos da curadora jundiaiense Bel Gurgel, um projeto estimado com - abertura, intinerâncias dentro e fora do Brasil, sub-produtos como livro, CD, catalogo, vídeo - em aproximadamente R$ 15 milhões. Após uma temporada de 12 anos morando e trabalhando em Ouro Preto, Bel retorna à Jundiaí, para ficar mais próxima da capital, cheia de disposição e idéias para projetos na cidade.

 

 

                     

Foto de Lucas Godoy


 

Depois de 15 dias de agenda cheia, consigo um bate papo com Bel. Entre Jundiaí, São Paulo, Belo Horizonte e Ouro Preto, ela consegue me atender e me diz: - Claro, claro, dia 14, chego domingo de Ouro Preto, segunda estou disponível para sua entrevista.

     

Marcamos às dez horas na casa dela. Chego e sou recebido por Ronalda. Entro e me deparo com quase uma galeria de arte. Alguns identifiquei logo de cara - Apreciei Inos, Sandro Corradin, Ivald Granato, Vera Café, Jorge Fonseca, Beto Cecchi, Victor Lema Rique, Jaime Prades, figuras de Botero entre designers como Irmãos Campana, Gerson de Oliveira, Luciana Martins, entre outros. A casa inspira e aspira arte como ela. Depois de uma hora de atraso, telefonemas, e-mails, Bel consegue me atender, desliga tudo, tira o telefone do gancho e fala: - Estou à sua disposição, vamos tomar um café ou um chá?

 

A entrevista rola por um longo tempo entre gargalhadas, piadas e o papo gira gostoso. Surpreendentemente ela solta: - Almoça comigo?

 

Almoçamos comida mineira, como as servidas em Ouro Preto.  Em seguida sugiro uma pequena produção para a foto. Ela ri, olha pra mim e tem coragem de dizer: - Eu não sou boa pra fotos, mas vamos nessa! - Chega o maquiador Roberto Silva e o fotografo Wers da Gravaluz. Viramos a sala de cabeça para baixo e ela entra no embalo. Abusando ainda de sua boa vontade, encontramos em Jundiaí um lugar onde Bel lembra muito de Ouro Preto, e lá ambientamos algumas fotos, no restaurante A Tasca Lusitana.

 

Fim da tarde vejo ela cansada.  Não desanima e diz: - Já trabalhamos demais tá na hora de uma cervejinha, já é happy hour. O dia passa e nem vejo. Saio de lá no início da noite feliz com o resultado e aliviado sabendo que Jundiaí tem uma boa, irreverente e inteligente filha que voltou, possivelmente, para mudar muita coisa.

 

Leia íntegra da entrevista exclusiva com Bel Gurgel.


Zanchin - Bel, por que você decidiu voltar pra Jundiaí depois de 12 anos?

Bel: A logística do projeto da exposição Ouro Preto 300 anos foi o ponto culminante para que eu retornasse para São Paulo. Como Jundiaí é minha cidade natal, minha família está aqui, meus amigos de raiz, resolvi optar a morar em Jundiaí do que na capital. Aqui estou a quarenta minutos de São Paulo e também fico próxima dos aeroportos, o que facilita minhas idas à Belo Horizonte, Ouro Preto, Rio e Brasília. Conseqüentemente isso gerou uma conexão profissional com a cidade onde nasci. Nesse ínterim, redescobri lugares, fui atrás de outros, falei com empresários, produtores, artistas e percebi o quanto Jundiaí está carente de uma mudança cultural.

 

Zanchin - Qual é a sua visão sobre a cultura no Brasil?

Bel: Eu adoro a diversidade cultural brasileira: música, pintura, artesanato, fotografia, vídeo. Há o tridimensional também. Sou curadora, mas antes de tudo, uma apaixonada pela cultura como um todo. Há uma diversidade de linguagens que podemos resgatar as quais dão outro significado ao nosso cotidiano. O Brasil está num momento único: muitos artistas estão sendo valorizados lá fora e mesmo aqui dentro.  Para a cultura dar certo é preciso que o poder – publico ou não - seja descentralizado. Eu digo sempre que é como uma cadeia alimentícia, cada um com seu papel, um precisa do outro. Não há o mais importante, todos são importantes na mesma escala principalmente quando falamos de cultura num país de 3º. mundo. O problema é que há sempre um centralizador que atrapalha essa rede. Mas estamos lutando para uma mudança – estamos que eu digo, eu e diversos produtores Brasil afora. Acho que a Marta pode facilitar muito a nossa vida, pois ela tem trânsito político, articulação e quer deixar sua marca.

                
 

 Zanchin – Nestes últimos meses na cidade de Jundiaí, o que você percebeu de diferente?

Bel:  Morei fora de Jundiaí por 12 anos, quando voltei senti um buraco cultural, nada mudou. Não tenho vínculos políticos – pois a cultural é apolítica – precisamos dela em qualquer partido – assim eu posso dizer que, neste quase um ano morando na cidade, que não há identidade cultural em Jundiaí. Fiquei abismada, por exemplo, com a morte do Décio Pignatari - publicitário, poeta, ensaísta, professor e tradutor brasileiro -, aqui não repercutiu absolutamente nada. O Inos é outro herói da cidade e só agora, aos seus 82 anos, colocaram uma escultura dele no Parque da Cidade. Depois do segundo turno resolveram fazer correndo a colocação do projeto das esculturas no Parque da Cidade, tanto que algumas foram instaladas em locais e forma – visualmente - desapropriados. Mas, ao menos, as esculturas estão lá. Neste tempo na cidade me fiz várias perguntas: - Como ficamos? Quem somos nesse abismo sem identidade? Não há museus apelativos, não há museografia e museologia adequada. Há apenas um ambiente expositivo na cidade, além de uma nova galeria na Vila Arens. Onde está a comunicação apropriada para a cultura? Fui ao Ateliê Casarão e achei que ali existe um grupo forte, mas que precisa de ajuda. Tem muitos artistas e grupos procurando um espaço, procurando um apoio. Logo que cheguei fiz algumas pesquisas locais e me admirou saber que uma cidade que sedia 1.286 indústrias passa por tantas crises quanto à falta de recursos.   Isso é antagônico! A partir do momento que a indústria está na cidade, além das trocas políticas, burocráticas deve existir uma troca de investimentos no setor cultural. Cultura é educação e tanto a gestão pública quanto o empresariado precisam ter essa visão. Pelo pouco que eu ouvi, senti que o Tércio Marinho – novo Secretário de Cultura - está preparado para deixar o seu legado.

 

Assim como faço pela cultura de Ouro Preto, de Minas Gerias, espero poder dar minha contribuição para Jundiaí.

 

Zanchin - Você tem projetos para a cidade?

Bel: - Passei parte de 2012 trabalhando em cima disso. Quando vi a polêmica questão da Serra do Japi, Jundiaí com stand no Rio+20, coleta seletiva, parques, pensei logo em arte pública, pois a cidade cresceu horizontalmente e verticalmente no setor imobiliário, mas e o entorno disso? Como fica? Como fica a cidade sem obras de arte públicas? Como fica o olhar do cidadão? O complexo urbano renasce quando está vinculado a obras, Jundiaí precisa de outra paisagem urbana. O cidadão começa a ver a cidade de outro ângulo. Começa a ser educado na rua com qualidade de vida, sabe?

 

Depois de vários estudos - pensando numa primeira possibilidade para a cidade - cheguei na obra do artista plástico Jaime Prades, com o projeto ‘Arvorecidade’, que é simplesmente um dos projetos mais belos que já fiz, além de incitante. O artista trabalha com restos de madeira coletados no aterro sanitário e transforma esse material em esculturas em formato de troncos de arvores com aproximadamente 8 metros de altura. De forma impossível, quase imaculada, ele transforma a madeira coletada no seu formato original de árvore. Isso é incrível! O Jaime se coloca como um lixeiro do futuro. Esse projeto está fechado, redondo, tem slogan, logo, camiseta, design gráfico agora o que preciso é mostrá-lo para essa nova gestão, pois ele pode chegar como um símbolo na cidade. A árvore remete uma simbologia do renascimento, da vida, em perpétua evolução e em ascensão  o que vai de encontro com a gestão do Pedro Bigardi.

 

Contudo, comecei a revisitar a cidade e gerei um outro projeto também de cunho urbano. Meu papel como curadora da cidade foi a forma que imaginei de transpassar as barreiras de trabalhar dentro do museu, que no caso, aqui, não existe adequadamente. Iniciamos o processo de educação na rua, no plano urbano. O cidadão vai se acostumando a ter um olhar, a conviver com arte, isso instiga a vontade do cidadão a, um dia,  entrar no museu. Educamos o olho da população para que ela queira, futuramente, ser um freqüentador dos museus que virão. Pois eles virão, do que depender de mim (muitos risos). Estou articulando um museu de arte contemporânea para Ouro Preto. Inserir Ouro Preto no século XXI. Sorocaba está abrindo um grande museu também. Jundiaí merece estar nesse contexto.

Outro projeto que tenho é uma exposição fechada, na caixa, do grande Roberto Burle Marx como gravador. Burle Marx é o típico artista que em termos de visitação as filas dão volta no quarteirão, isso é no mundo todo, em Jundiaí com uma boa divulgação, não seria diferente. A cidade está preparada para receber, está sedenta. Além do Burle tenho Renina Katz, Bernardo Cid, Guilherme de Faria, exposições prontas pra serem montadas. Além as dos jovens artistas contemporâneos.

 

E você poderia agora me perguntar: - Mas como ficam os artistas locais? Todo mundo sempre me pergunta isso. Eu já vou te adiantar: - A cultura para ser construída precisa ser freqüentemente revisatada, temos que fazer exposições com artistas locais, mas também inseri-los em outras cidades. A arte precisa girar, essa também é a sua função, ser mostrada para o maior números de pessoas possíveis em lugares variados. Isso vai de encontro com residências culturais, fabrica de cultura, coletivos, alem de possíveis intercâmbios.

 


               


 

Zanchin - Além do choque cultural existente entre Jundiaí e Ouro Preto, quais foram as outras diferenças que você sentiu ao voltar para cá?

Bel: - Nossa! Foi uma loucura a minha readaptação. Readaptação minha e adaptação dos meus filhos. Passamos por uma depressão dentro de casa. As crianças não entendiam o que estávamos fazendo aqui. Elas me olharam durante os primeiros 3 meses com um ar interrogativo, no fundo eles me questionavam com este olhar de dúvida, João e Sofia, dizendo: - Mãe, por que estamos aqui? O que estamos fazendo em Jundiaí?  Eles custaram a entender, pois estavam acostumados com outro cenário.

2012 foi um ano duro, de mudanças. Verbas públicas demoram para sair. Nenhum sonho chega de mão beijada. Para conseguir é preciso mais que perseverança, é preciso ter fé.

Viver num ambiente colonial durante 12 anos e voltar para uma cidade industrial me levou exatamente para o caminho de reviver a cidade e pensar como mudá-la culturalmente para melhor. E agora eu entendo que esta volta foi além de uma necessidade de trabalho. Hoje encaro esse regresso como uma missão. 

 

 

Zanchin - O que significa a exposição “Ouro Preto 300 anos”?

Bel: - Well, o projeto “Ouro Preto 300 anos” é meu projeto de vida. Estou há 2 anos focada nele. Foram 6 meses de pesquisa para eu chegar no que era realmente significativo para o Brasil. Para o Brasil e para o mundo. Para brasileiros e estrangeiros, pois a intenção é a expo abrir para a COPA do mundo. O resultado da exposição - de uma cidade como Ouro Preto – Patrimônio Cultural da Humanidade - com suas itinerâncias para Portugal e África – além da visitação dos turistas durante a COPA, precederam um contexto brasílico nessa curadoria. Uma brasilidade deve ser passada depois da exposição visitada. É a vez do Brasil mostrar a sua cara nesse momento de ascensão mundial. Isso não acontece desta forma desde a exposição dos 500 anos do descobrimento. É um privilegio estar à frente de um projeto como este, mas ele não teria saído sem a ajuda da minha produtora executiva, Ana Helena Curti. Ela fez todo um diferencial, acreditou piamente na ousadia do projeto e hoje é meu braço direito. Eu só tenho a agradecer a ela e a toda uma equipe que suou a camisa junto comigo para erguer 300 anos de historia, de arte. Será a chance de conhecer Ouro Preto – e toda a nossa historia – de 1711 a 2011 - para aqueles que não tiveram oportunidade ainda de conhecê-la pessoalmente.

 

Uma exposição que contempla arte, cultura, sociedade e patrimônio, reconstruindo assim as memórias de Vila Rica até a Ouro Preto do século XXI, onde tudo teve seu inicio, na primeira capital do Brasil, dando suporte a uma constante articulação entre passado distante e o passado recente, falar do que a arte diz e porque diz, mapeando as características sociais e culturais de uma veia artística que constrói memórias coletivas e identidades brasileiras.

                    

 

Zanchin - Bel Gurgel por Bel Gurgel

Bel: - Eu sou uma militante cultural. Não tenho medo de ousar, extrapolo as medidas. Ultrapasso o limite pois sou intensa. Intensa na hora de trabalhar, intensa na educação dos meus filhos, intensa nos meus relacionamentos. Perfeccionista. Determinada. Eu não quero pouco da vida.  A vida mais ou menos não me interessa. É tudo ou nada, pago um preço alto por isso, mas essa é a minha marca.

 

Cult Quiz

Um artista: aquele com que estou trabalhando

Um livro: “sete dias no mundo da arte”, da jornalista Sarah Thornton

Um poeta: uma poetisa: Elizabeth Bishop

Um filme: “o segredo dos seus olhos” do Juan José Campanella

Um disco: “historie de melody nelson” do Serge Gainsbourg

Uma cidade: aquela que me recebe de braços abertos

Um amor: meu trabalho

Um troféu: meus filhos 

 

 

Quem é Bel Gurgel?

Publicitária e produtora cultural. Iniciou suas atividades em 1989, trabalhando com Márcio Pitliuk. Deu ‘aulas-oficinas’ na universidade, cursos técnicos na área publicitária, passou por mídia, atendimento, criação. Depois de anos na área, decidiu atuar em produção cultural com galerias de arte e promovendo o trabalho de diferentes artistas. 
Especializou-se em marketing cultural e, com a jornalista Débora Negro, abriu a Circuito, uma empresa de assessoria de imprensa e produção cultural, sua porta de entrada para o show business, quando trabalhou para o teatro Mambembe e também produziu diversos shows: Blue Jeans, Blues Etílicos, Ed Motta, JJ Jackson, Jorge Mautner, Cássia Eller, Itamar Assumpção, entre outros.

Em 1995, estudou design moveleiro com Angélica Santi e iniciou suas atividades como designer. A seguir, no ano de 1997, abriu a Antagônica Design e Arte em sua cidade natal, Jundiaí, uma loja de design de móveis e galeria de arte, quando representou diversos artistas e designers nacionais e internacionais: Inos Corradin, Gustavo Rosa, Antonio Peticov, Ivald Granato, Vera Café, Irmãos Campana, Moshe Gorban, além de muitos outros.

Logo em seguida, viajou para Minas Gerias, voltando encantada para São Paulo. Impressionada com a riqueza do artesanato mineiro, inaugurou um novo ponto: a Viela Rica, uma feira de rua que misturava  desde o design italiano até o artesanato mineiro.

Em 2001, mudou-se para Ouro Preto, Minas Gerais, estudou museologia e museografia com a museóloga Thelma Palha, e em 2002 deu iniciou a um projeto social no distrito de Antonio Pereira, criando a marca Preguiçosa, uma linha de colchas, almofadas, tapetes e pufes feitos, a partir da releitura de técnicas tradicionais mineiras de feitio, por mulheres de baixa renda no distrito de Antonio Pereira, Ouro Preto. Ministrou cursos de Produção Cultural pelo FAT e Oficinas ligadas à cultura e gestão cultural como, “O caminho do artesanato no mercado brasileiro” e “Mapas Urbanos: qual é o caminho da cidade histórica?” nos Festivais de Inverno em Minas Gerais.

Foi a produtora via a Comunicação Nacional, em Ouro Preto, responsável pelo 1º. Concerto de Sinos, conduzido pelo maestro catalão Llorenç Barber, discípulo de John Cage.

A convite do professor doutor Oliver Tabares realizou na Universidad de Medellín, Colômbia, a palestra “Projeto FAOP | Fundação de Arte de Ouro Preto: arte e patrimônio”, gerando um possível intercâmbio de parcerias na área de patrimônio, conservação e restauração.


 

                 

CRÉDITOS

Fotos – Wers Gravaluz 

http://www.gravaluz.com/

Cabelo e maquiagem – Roberto Silva

Figurino – Passarela Calçados

Cenário – Restaurante A Tasca Lusitana

 

Fontes e Divulgação

http://www.ouropreto300.com.br 

http://semindes.blogspot.com.br/2012/09/conheca-bel-gurgel.html

http://www.redebomdia.com.br/blog/detalhe/3434/Jundiai+Ouro+Preto

http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/35832/Ciesp+lanca+seu+guia+de+projetos+sociais

 

Reportagem: Anderson Zanchin


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