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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Na terra

10/11/2019 - Jundiaí - SP

     Como representar momentos de vida árida? Há algum sentido para mostrar tais situações em contextos literários? Pode-se criar personagens para demonstrar um ambiente, especialmente à visão do personagem narrador que, por aquele lugar passa com companheiros para conseguir uma parte de terra que lhes fora prometida. Juan Rulfo fez isto em seu conto " E nos deram a terra", integrante da coletânea " O chão em chamas". Serve como representação da vida naquele contexto, embora, ao contrário da maioria dos casos da vida real, haja alguma conexão e sensibilidade literária no protagonista ainda que, talvez, ele não saiba ler. Mas passa por situações, sentido-as. 

     Estavam viajando junto com ele Méliton, Faustino e Esteban. Há horas que caminhavam sem encontrar sombra nem semente de árvore, nem nenhuma raiz de nada. É então que começam a ouvir o latir de cães. Contrariou o desconfio do protagonista de que nada havia no final daquele chapadão. Latiam de um povoado, donde também vinha cheiro de fumaça, o que era saboreado como gente. Mas ainda estava muito longe. O vento é que aproximava. 

     Caminhavam desde o amanhecer. Os quatro, dois na frente, dois atrás. Deviam ser segundo Méliton, umas quatro da tarde. Pelas onze, eram vinte e tantos. Foram se espalhando até não sobrar mais nenhum. Quando Faustino diz que podia ser que chovesse, levantaram as cabeças e viram, no céu, uma nuvem negra. Pode ser, concordaram todos, nenhum deles dizia o que pensavam; uma vontade perdida de cada um com o calor. Lá, palavras ficam quentes, se ressecam na língua até a pessoa ficar sem fôlego. Uma gota cai no chão, deixando uma placa parecida com uma cusparada. A nuvem do céu vai sendo afastada. Porque fora feito uma chapada tão grande, falou-se. 

      Sem chuva. A chapada não é coisa que sirva. Não há animais, apenas alguns espinheiros e algumas manchinhas de capim. Não há nada. Por lá andavam. Nem tiravam as carabinas, por terem medo de serem alvejados com arma na cintura. Os cavalos tinham sido tirados junto à carabina. Uma imensidão de terra para nada. Os olhos derrapam. Era a chapada aonde tinha para plantar. Queriam perto do rio, mas não deixaram dizer estas coisas. 

       O delegado havia lhes permitido aquela terra, reclamaram a impossibilidade de se plantar lá. O oficial retrucou dizendo que fizessem reclamação por escrito, devendo atacar o latifúndio, não o governo que dava a terra. Devolveram dizendo que não atacavam o governo central, mas o chapadão. Ele não quis ouvir. Queriam que plantassem lá; mas não levantava nada lá, nem urubus, que tratam de sair voando de lá o mais depressa possível. 

       Pouco depois, chegam ao despenhadeiro, de onde descem. A terra fica melhor, se sentem bem, após onze horas andando pela dureza do chapadão. Voavam araras verdes por cima dos rios, de tudo isto os quatro gostaram. Agora os cães latem ao lado, o vento do povoado se espalha por todo o barranco, o enchendo com seus ruídos. Esteban, junto com uma galinha que trazia debaixo da roupa, vai por outro lado. Os outros seguem em frente, adentrando o povoado. A terra que lhes deram está lá no alto, finaliza o narrador. 

      Os quatro homens por aí andaram, chegando aonde tinham sido enviados, tendo passado por todo aquele espaço antes. Tal passagem, composta por encarar um árido espaço, reflete realidade. A de mexicanos que cruzam, pela falta de melhores condições, aquela porção. Sua andança, enquanto parte do caminho, os faz passar por diversas situações de calor e secura, ter ideias e conclusões sobre como é aquilo, o chapadão. Ao final, chegaram ao povoado cuja existência era sentida desde o começo, percebido pelo latir dos cães. Avançam, mas, pelo menos o narrador, acredita que a terra dada fica no alto. 

 

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