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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O sotaque das intenções

3/11/2019 - Jundiaí - SP

Meus formatos são orvalhados e castanhos. Tenho hábitos de imediatismo, combinados com a mansidão do peito que sabe que tudo tem o momento oportuno de ser. Nas horas que passam, vejo, no tempo, a bagagem áspera de lágrimas recolhidas pela terra e de sensações guardadas nos braços do vento.

Meus dias são de configuração azul celeste. Pairam pelo ar as concretudes de uma fruição tão bem-vinda quanto necessária. É que eu tenho quedas por sensibilidades densas, daquelas que andam de mãos dadas com o sereno da noite, a iluminar as mentes cansadas de fim de dia. Ah, se todos soubessem identificar o sotaque das águas e os recados da terra. Se pudessem ouvir a oração das nuvens, em procissão silenciosa para preparar-se para o seu esvaziamento.

A natureza toda está acostumada com os ciclos que perpassam sua ontologia eterna. Seus filamentos de vivência são a prova necessária para seguir viagem rumo ao destino das suas próprias desestruturas. A todo o momento, sendo para deixar de ser e deixando de ser para continuar sendo. As orquestras sempre estão prontas para emergir o balanço de nossas trilhas ancestrais. As memórias já elaboradas sussurram em nossas preces o balanço de tudo o que já fomos, confirmando as possibilidades de identificarmos o sotaque das origens e das intenções.

Sou uma apanhadora de silêncios. Uma detetive de rastros não ditos, sempre tão enérgicos e esclarecedores aos olhos atentos. Quem aprende a decifrar a abundância de sua própria aparelhagem entende que há valor inestimável nos vazios de cada existência. Ecos providenciais para as manjedouras dos minutos, que nos penalizam, de forma maternal, quando rompemos a atenção ao presente. Minha aparelhagem foi concebida junto às engrenagens tortas das linhas estabelecidas como início, meio e fim. Saí avessa aos contratos e às alegações, com parafusos extras de quietude e reverência ao movimento inteligente dos questionamentos capazes de mobilizar céus e terras.

Não sou de palavras desperdiçadas. Gosto de brincar com a estrutura de suas conformações possíveis, fazendo poesia sem moderação e colocando hiperbolismos nas nascentes da paz. Sempre pensei que, para substituir o ressoar do vento e o barulho macio das águas que correm, é preciso que valha muito a pena. O poder das palavras é tão estarrecedor quanto dúbio. Tão impulsionador quanto paralisante. É por isso que as irresponsabilidades de uso são as gravidades mais covardes que se pode cometer. É melhor que se tenha compostura com a indulgência dos termos.

Queria que minha voz tivesse a arquitetura dos cantos. Ao ressoar com verdade, levar ao mundo os ritmos emocionados de uma existência que está sempre transbordando. Não vejo saída senão seguir insistindo na arte, estudando o sotaque do vento e decifrando a língua das noites. Quem sabe assim, próxima do sotaque das intenções, amanheço em vantagem sobre o novo, a compactuar, de forma totalmente consciente, com a evasão dos sentidos como provocação à calmaria. De calmas e de remansos, que nossos interiores, sempre a questionar, estejam cheios.

 

THIANE ÁVILA.

 

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